quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A doçura.


A vida é doce! Ela sempre a viu dessa maneira, sempre a sentiu dessa maneira, ainda que vez ou outra se sinta uma criança a espera da raspa da panela, ainda que na ânsia de devorar toda essa doçura acabe comendo cru ou se queimando, defeito bobo, quem sabe até uma qualidade, que jura de pés juntos tentar corrigir, pensa, na maior parte das vezes tarde demais, depois da língua arder com a quentura do seu prato predileto.
Hoje, ela se vê rodeada de paciência, de céus que vão se tingindo lentamente de laranja, de estrelas aparecendo na surdina, como um malandro a espreita na esquina, vê o verde nascendo devagar e crescendo, florindo, na verdade, as flores estão a ensinando muito, ensinando que tem regar, tirar as daninhas, olhar, ter calma...a primavera está a ensinar, os ninhos feitos, as crias...e a vida que se renova, que surgi ainda mais doce, aquela criada por ela.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Sem pé nem cabeça.


Por ter nascido dia 01, ela de maneira inocente e equivocada, esperava ser lembrada de maneira mais fácil, ao menos, a contagem dos anos sempre foram mais simples, ao contrário, as pessoas se esqueciam, viajavam, e sempre estavam bebadas.
Sempre adorou a palavra goma, lantejoula, gude, enchantée e tantas outras que enchem a boca de água, as tardes de outono, o frio com o sol, toureiros levando chifradas, boiadeiros sendo pisoteados , sempre amou, assistir filme a tarde, abacaxi congelada, vitamina de banana, maquiagem de manhã, cabelo ao vento, sempre gostou de cortar o cabelo, guardar pedaço de papel, papel de chiclete, ou qualquer coisa que traga recordações, nunca gostou do culote herdado pela mãe, e dos joelhos tortos herdados do pai, sempre quis ter uma história de amor na familia, sempre sonhou em ter histórias de familia, familia unida e objetos de herança, a pouco conseguiu seu primeiro, um bule de sua tataravó, que deu pra sua bisa que deu pra sua vó que te deu, e chorou, colocou em seu altar, junto com heranças roubadas, uma flor e john lennon.
Sua vida é leve, com muito peso e algumas mágoas, mas ainda assim ela é leve, com suas marcas e manchas escuras, ora desbotadadas, mas ainda assim coloridas...ela se descobriu encantada pela vida ainda nos dias que a vida parece não fazer sentido, pelos pequenos prazeres, pelas pequenas coisas, pelas coisas certas, seja o papel de chiclete, seja por suas tardes de outono...

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O caiçara.


Das mãos, pendia um cigarro, junto aos calos do dia a dia, olhos doces, profundos, e mesmo sem serem azuis, o azul se fazia, talvez pelo fato do mar ser sua alma, talvez pelo mar refletir ali, a pele arranhada pelas manhãs, sol que ardeu, queimou e marcou, e ainda assim ele parecia não se importar, exalava um cheiro de gratidão misturado com contentamento, por ser aquele, por viver ali.
A doçura incabível à nós seres do concreto e asfalto, nós que somos regidos por cifras, nós que já haviamos perdido a esperança nos homens, ali, naquele momento, com os pés fincados na areia, um sopro de azul se fez, um sopro e um alívio, ufa! ainda pode dar certo.