sábado, 17 de julho de 2010

A visitante.


Depois de um longo período de contentamento, alegrias e flores saltando da alma é claro e óbvio que a espreita estava ela, com seu capuz a cobrir um olho e outro cobiçando todas aquelas cores que lhe ofuscavam a única vista que estava a usar, sorriu maliciosa, dentes cerrados e coração envolto na prata enferrujado de seu arame farpado, fechou os punhos e se jogou, caiu em cima daquele irritante jardim florido e ali mesmo fez seu ninho de cobras e lagartos. Depois de alguns dias analisando e bolando seu plano maligno, surgiu a idéia genial... "Só posso matar todas essas flores se eu pulverizá-las com o descaso, mancharei essas cores se eu jogar um pouquinho de desamor e esse contentamento...ahh... coisa de fraco, só vou conseguir derrotá-lo com meu destilar de decepção...
Sem pestanejar, começou seu trabalho sujo, feito cobra, rastejou por entre a vida que exalava naquele lar e em uma só baforada despejou toda água parada e fédida que existia em sua alma, se é que podemos falar de alma. Passado alguns dias a moça das flores sentiu o gosto amargo dessa visita, chorou ao sentir o desprezo de pessoas queridas, doeu ao ver o desamor brotar no coração de muitos que lhe habitava o seu jardim, chorou e se perguntou por quê ?
Por que as pessoas mudam tanto?
Por que algumas pra pior?
Por que a educação e o bom senso não nascem embutidos na cabecinha de todos?
Por quê?
Depois de tanto se desgastar e borrar todas as cores possíveis de sua vida, ela resolveu se deparar com essa visitante áspera... parou, encarou o seu capuz e como quem tira um peso das costas cansadas, retrucou em alto e bom som, respondendo suas próprias perguntas de uma só vez:

Sabe por que as coisas acontecem assim? Porque só assim saberei reconhecer o que é real, o que tem coração, só assim me faço forte, e só assim me faço inteira...

Como num susto, a visitante intrusa afastou seu capuz e mostro um olho de girassol, contrastando com o seu outro negro feito carvão, se apresentou como a verdade, a realidade... que é boa e ruim, dependendo do olho que se vê.
Assim, uma amizade foi selada e um acordo feito, doa a quem doer que a verdade se apresente, pois só assim saberei quem devo cultivar no meu jardim.

2 comentários:

  1. fiquei encantada.... com tudo.

    suas palavras, as imagens, cada detalhe aí na lateral direita...

    te li, e reli...

    delícia ter vindo aqui, viu ?

    beijo

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  2. Interessantíssimo texto. Você tem o talento de criar, o dom daquelas mãos nervosas que não sossegam enquanto um texto inspirado esteja pronto. O tema é correto: muitas vezes as descobertas de verdades e realidades se mostram cruéis, e muitos jardins sofrem pragas inexplicáveis. Apenas penso que são as verdades relativas que carreguem exatamente um olho de girassol e outro de carvão, reflexos das intenções dos corações dos homens, de suas ações, ou do reflexo delas, mas que a Verdade absoluta carrega olhos de vida e é sempre restauradora, e que tal Verdade apresenta não um reflexo dos homens ou de como as coisas são, mas um caminho convidativo ao que as coisas podem ser, e no desfecho serão.
    Beijo carinhoso
    Marcelo

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